Líderes, embora dotados de habilidades notáveis, são seres humanos sujeitos a falhas. Algumas dessas falhas têm impactos menores, enquanto outras podem afetar significativamente a estrutura organizacional e o bem-estar das equipes sob sua gestão.
Esses deslizes ocorrem muitas vezes não por negligência, mas por falhas de raciocínio, preferência por soluções rápidas e falta de estratégias de pensamento eficientes. A ausência de reflexão pode levar a decisões precipitadas, afetando negativamente tanto a eficiência da equipe quanto o desempenho global da organização.
Líderes eficazes reconhecem suas limitações e a propensão a cair em armadilhas cognitivas universais. Eles se destacam por manter uma vigilância constante sobre seu processo de pensamento e tomada de decisões, em busca contínua de autoaperfeiçoamento. Além disso, valorizam a importância de desenvolver uma mentalidade de crescimento e aprendizado contínuo. Ao verem as falhas como chances para o desenvolvimento, líderes jurídicos não só aprimoram suas próprias competências, mas também promovem uma atmosfera de resiliência e inovação em suas organizações.
Neste texto, abordo três erros cognitivos críticos que líderes devem evitar para melhorar a tomada de decisões e resultados na advocacia:
1. Equívoco da Ideia Óbvia
Líderes que supõem que seus pensamentos, necessidades e emoções são tão claros para os demais quanto são para si próprios falham em se comunicar de maneira clara e precisa.
Este equívoco, também conhecido como o equívoco da ideia óbvia, leva à superestimação da clareza com que transmitem seus pensamentos e sentimentos. A presunção de que o conteúdo da nossa mente é facilmente acessível aos outros pode criar barreiras significativas na comunicação.
Compreendemos perfeitamente o significado por trás de nossas próprias palavras, assumindo erroneamente que os outros compartilham dessa clareza. Ao revisarmos nosso próprio texto, a interpretação desejada parece evidente, impulsionada pelo nosso entendimento interno. Entender a posição de alguém que decifra nossas palavras sem um contexto completo é um desafio. Antes de responsabilizar os outros por mal-entendidos, é crucial reconhecer que talvez nossa forma de expressão não seja tão direta quanto imaginamos.
William H. Whyte destaca:
“O maior problema na comunicação é a ilusão de que ela foi efetivamente realizada.”
Como mitigar o equívoco de ideia óbvia?
Para contornar este equívoco, lembre-se:
– As pessoas não têm acesso direto aos seus pensamentos ou às suas intenções.
– Você é o centro das suas atenções, mas não das atenções alheias.
– Os outros não têm como saber exatamente o que você está pensando ou sentindo.
– A diferença entre sua experiência pessoal e a percepção alheia pode ser significativa.
– O que é óbvio para você pode não ser evidente para os outros.
– Comunique suas expectativas e intenções de maneira explícita.
Confirme se sua mensagem foi compreendida conforme desejado, questione para assegurar entendimento, alinhe expectativas e reitere os pontos cruciais regularmente.
Exemplo no contexto jurídico:
Mariana, sócia de um escritório de advocacia, lidera um caso de grande complexidade e relevância. Durante a preparação para uma audiência decisiva, ela destaca a importância de uma revisão detalhada dos documentos e da construção de argumentos robustos. Contudo, ela não detalha explicitamente a estratégia global ou o impacto específico de certos elementos no desfecho do caso. Temendo comprometer a defesa por não abordar esses nuances, ela presume que sua equipe entenda a seriedade da situação como ela.
A falha na comunicação clara leva Mariana a acreditar que suas preocupações e a necessidade de atenção adicional ao caso são evidentes para sua equipe. Sua frustração se manifesta ao perceber que detalhes críticos não receberam a atenção devida, evidenciando como a omissão na comunicação clara de expectativas e preocupações pode resultar em mal-entendidos e desempenho insatisfatório em situações de alta pressão, típicas do meio jurídico.
2. Erro de Percepção Superficial
Em ambientes profissionais, quando ocorrem incidentes ou falhas, é comum que líderes direcionem sua atenção para o que parece ser a causa imediata do problema, uma abordagem que podemos chamar de erro de percepção superficial na avaliação de problemas. Esta tendência de se ater à solução mais evidente, embora pareça facilitar o processo de resolução, na realidade, apenas encobre o verdadeiro problema, desviando o foco de questões mais complexas que requerem atenção.
Como superar o erro de percepção superficial
Para transcender essa limitação, a utilização do Diagrama de Espinha de Peixe, também conhecido como Diagrama de Ishikawa, é uma estratégia eficaz para identificar a verdadeira causa de um problema.
Desenvolvido por Kaoru Ishikawa, este método visual facilita a organização e a análise das possíveis origens de um problema, agrupando-as em categorias como métodos, máquinas, pessoal, materiais, medição e ambiente, o que proporciona uma visão mais abrangente do problema, evitando fixar-se apenas no que é imediatamente perceptível.
Exemplo no contexto jurídico
Fábio, gerente de um grande escritório de advocacia, enfrenta um aumento notável nas reclamações de clientes sobre a demora na resolução de casos. À primeira vista, a lentidão dos advogados em processar os casos parece ser o problema. Contudo, para identificar a causa raiz, ele decide utilizar o Diagrama de Espinha de Peixe.
Após a sessão de brainstorming com sua equipe, várias categorias de causas potenciais são identificadas:
- Métodos: Falta de processos claros para a gestão de casos.
- Máquinas: Software de gestão de casos desatualizado.
- Pessoas: Falta de treinamento específico para a equipe sobre eficiência e gestão de tempo.
- Materiais: limitações no acesso a recursos legais atualizados.
- Medição: Ausência de métricas de desempenho para monitorar a progressão dos casos.
- Ambiente: Cultura organizacional que não valoriza a inovação e a melhoria contínua.
A investigação minuciosa revela que a lentidão percebida na atuação dos advogados é apenas a ponta do iceberg. Questões estruturais e operacionais, como processos obsoletos, ferramentas inadequadas e deficiências no treinamento, contribuem significativamente para os atrasos. Com essa compreensão, Fábio está em posição de implementar soluções que não apenas tratam os sintomas observados, mas que abordam as causas fundamentais, promovendo melhorias significativas e duradouras na resolução dos casos.
3. Visão Imediatista
Ao darem prioridade a resultados imediatos, buscando soluções rápidas e concentrando-se em objetivos de curto prazo, líderes podem negligenciar planejamentos estratégicos de longa duração.
Essa visão imediatista, que parece oferecer gratificação e alívio imediatos, na verdade, cria uma percepção enganosa de progresso. Tal postura é atraente pela aparente economia de recursos como tempo, esforço e materiais. Entretanto, essa escolha prepara o cenário para desafios futuros não antecipados. A preferência pelo imediato, sem uma análise das necessidades futuras, pode resultar em custos significativos a longo prazo.
Henry David Thoreau reflete sobre isso ao dizer:
“Os efeitos a longo prazo de nossas escolhas muitas vezes escapam da nossa percepção imediata. Agimos como se nossas decisões afetassem apenas o presente, esquecendo que seu verdadeiro impacto se desdobrará com o tempo.”
Superando a Visão Imediatista
Essa inclinação para minimizar desconfortos a curto prazo, em detrimento de vantagens futuras, pode ser superada através do pensamento de segunda ordem. Esse método promove uma reflexão sobre as consequências futuras das decisões tomadas, encorajando uma análise mais detalhada.
Para desenvolver essa habilidade, siga os passos abaixo:
• Anote a solução inicial que vier à mente, avaliando seus prós e contras imediatos, como um exercício de pensamento de primeira ordem.
• Questione: “Quais serão as consequências futuras desta decisão?” para investigar os impactos a longo prazo.
Para cada nível de consequência, identifique vantagens e desvantagens.
Prossiga com um questionamento detalhado:
- Quais riscos estão associados a esta decisão?
- Como minha escolha afetará os outros?
- Qual é a opinião de terceiros sobre esta decisão?
- Por que considero esta a melhor opção?
- Prefira a decisão cujos efeitos de médio e longo prazo sejam positivos, mesmo que apresentem desafios inicialmente.
- Use feedbacks para ajustes e validações. Isso pode não trazer soluções imediatas, mas, com o tempo, aprimorará a tomada de decisões.
Exemplo Prático no Direito
Juliana, à frente de um escritório de advocacia, se vê pressionada pela necessidade de expandir sua equipe devido ao aumento da demanda de casos.
Ela pondera sobre contratar Pedro, um advogado promissor, porém, com pouca experiência para os desafios mais complexos do escritório.
Decidir por Pedro, focando apenas nas necessidades imediatas, parece resolver a questão da demanda. Porém, essa escolha poderia afetar a qualidade do serviço e a satisfação do cliente no futuro.
Adotando o pensamento de segunda ordem, Juliana antecipa a necessidade de desenvolvimento contínuo para Pedro e considera contratar profissionais mais qualificados eventualmente, garantindo a excelência dos serviços. Esta abordagem equilibra a resposta imediata à demanda com o desenvolvimento sustentável e a qualidade do atendimento jurídico.
Aplicando o pensamento de segunda ordem, Juliana poderia antever a necessidade de desenvolvimento profissional contínuo para Pedro e a eventual contratação de profissionais mais experientes para garantir a manutenção dos padrões de excelência do escritório. Esta abordagem consideraria não apenas a solução imediata para o aumento de demanda, mas também o crescimento sustentável e a qualidade dos serviços jurídicos oferecidos.
Conclusão
A busca pela excelência em liderança, especialmente na esfera jurídica, nos impulsiona a ir além das demandas imediatas, adotando uma visão ampliada de futuro. Essa abordagem, fundamentada em pensamento crítico e estratégico, não apenas prevê as transformações, mas também direciona tais mudanças para o crescimento sustentável e a melhoria contínua. Líderes que se valem de técnicas refinadas de análise e reflexão estão equipados não só para atender às necessidades do presente, mas também para influenciar proativamente o destino de suas organizações.
Nesse panorama, distinguir entre ações pontuais e estratégias de longa duração emerge como uma vantagem competitiva, fomentando não somente o êxito da organização, mas também o avanço profissional de todos os participantes. Assim, a liderança ultrapassa a administração das rotinas diárias e se estabelece como uma força capaz de explorar novas possibilidades e criar legados significativos. Esse é o essencial da liderança visionária no campo jurídico: vislumbrar, preparar-se e, primordialmente, construir o futuro.