Há alguns anos, numa mesa com um grupo de sócios conselheiros de um escritório de advocacia, participei de um debate que jamais saiu da minha memória.
Um sócio mais júnior, referência técnica em sua área, gerava grandes números: fechava excelentes contratos, salvava clientes de litígios complexos e tinha, sem dúvida, uma visão estratégica diferenciada.
Mas havia um problema.
Sua presença era como um ácido silencioso, corroendo a cultura organizacional. Colegas evitavam reuniões com ele. Funcionários pediam demissão após encontros tensos.
Esses sócios sabiam, mas hesitavam. Como abrir mão de alguém que traz tanto resultado?
Este é um dilema universal. Não falamos apenas de um advogado ou de um profissional tóxico, falamos da escolha entre o cômodo e o correto. Entre a ilusão do lucro imediato e a coragem de construir legado. E, às vezes, esse sucesso técnico cega.
Resultados são sedutores. Eles falam a língua universal dos negócios: faturamento, contratos, eficiência. Um advogado que domina a técnica jurídica e capta clientes é, à primeira vista, um ativo inquestionável.
Mas há uma pergunta que poucos se fazem: qual é o custo invisível dessa eficiência?
Um profissional tóxico não destrói apenas o clima organizacional, ele mina a confiança, a colaboração e a resiliência da equipe. Funcionários talentosos não abandonam empresas, abandonam líderes que permitem ambientes tóxicos.
Quando um escritório escolhe fechar os olhos para comportamentos destrutivos, ele não apenas tolera o problema, ele multiplica os seus efeitos. O impacto é silencioso no começo, mas logo se torna evidente.
Estudos demonstram que 80% dos problemas e preocupações relativos à produtividade dos funcionários estão diretamente ligados ao ambiente de trabalho em que estão inseridos. Um clima organizacional desgastante não afeta apenas a motivação individual, mas mina a eficiência coletiva.
Profissionais deixam de se arriscar, de colaborar, de contribuir para a inovação. E, na advocacia, onde estratégia e confiança são essenciais, qualquer rachadura no time pode ser o começo de um colapso difícil de reparar.
A consequência é um ciclo vicioso. Os melhores advogados, aqueles que poderiam ser o futuro da organização, começam a procurar alternativas.
O êxodo não acontece de uma hora para outra, ele vem em silêncios prolongados, olhares cansados, mensagens trocadas fora do horário sobre oportunidades em outros escritórios.
A rotatividade aumenta, levando consigo conhecimento, experiência e, acima de tudo, a cultura que um dia fez o escritório ser o que é.
O custo de substituir um colaborador vai muito além de um novo processo seletivo. Perde-se tempo, energia, sinergia. Perde-se a confiança interna. E tudo isso porque um talento tóxico foi considerado mais valioso do que a soma do time inteiro.
Você realmente acredita que os números desse advogado compensam tudo isso?
Precisamos parar de nos contar a mentira do “indispensável”. Nenhum indivíduo está acima do todo. Por mais brilhante que seja um profissional, sua toxicidade é uma ameaça existencial à organização.
Acreditar que alguém é insubstituível é um erro estratégico e um insulto à inteligência coletiva. Seu advogado tóxico pode até trazer clientes hoje, mas qual será o preço amanhã?
Quando a cultura apodrece, a empresa perde a capacidade de inovar, atrair talentos e, no limite, de existir.
Existe um custo oculto da toxicidade que os números não mostram de cara. Contudo, vamos fazer uma conta simples:
- O custo emocional é o primeiro impacto. Equipes sob estresse crônico adoecem.
- Absenteísmo, licenças médicas e burnout são despesas reais.
- O custo reputacional é outro risco silencioso. Clientes podem ser captados por um bom advogado, mas são mantidos por uma empresa íntegra. Vazamentos, processos trabalhistas e rumores mancham marcas — às vezes, para sempre.
- E há também o custo da estagnação. Em ambientes tóxicos, as pessoas param de pensar criativamente. O medo de errar ou de confrontar esse profissional paralisa a inovação.
Em um outro escritório, um cliente certa vez me disse: “Mas ele traz R$ 3 milhões por ano!”. Respondi: “Quantos milhões você perderá nos próximos cinco anos se sua cultura virar um deserto?”
Não há uma dicotomia “resultados versus valores”. Isso é um mito. A realidade é “temos resultados porque temos valores”. Aqui está a essência do pensamento estratégico. Valores não são obstáculos ao sucesso, são sua alavanca.
Empresas como a Microsoft, sob Satya Nadella, e a Apple, sob Tim Cook, não escolheram entre ética e lucro. Elas entenderam que uma cultura de respeito atrai os melhores talentos, inspira clientes e gera resultados sustentáveis.
Seu advogado tóxico pode até ser tecnicamente competente, mas jamais será um líder. E, no longo prazo, organizações sobrevivem por liderança, não por individualismos. E como agir quando a decisão dói?
Confronte com empatia. Chame o profissional para uma conversa franca. Ofereça feedback claro e a chance de mudança. Muitas vezes, a toxicidade vem de inseguranças ou pressões mal gerenciadas. Estabeleça consequências. Se não houver mudança, afaste-o.
Por mais doloroso que seja, a mensagem para a equipe será clara: valores não são negociáveis. Invista em quem merece. Identifique talentos técnicos e emocionais na equipe. Promova treinamentos, mentoria e um plano de sucessão. Você descobrirá que há estrelas esperando para brilhar, sem envenenar o céu.
No final, é sobre o legado que você deseja construir. A respeito da reunião que mencionei no início do texto: esses sócios conselheiros resolveram demitir o advogado.
Dois anos depois, a equipe jurídica, agora coesa e motivada, não apenas manteve os clientes existentes como atraiu novos, com um diferencial: a reputação de um ambiente humano e ético.
Liderar não é sobre escolher entre o certo e o errado, é sobre escolher entre o cômodo e o correto. O cômodo dá resultados rápidos, o correto constrói impérios.
Não meça seu sucesso apenas pelo que conquista, mas pelo que preserva.
Uma organização é um organismo vivo. Se um órgão está doente, o corpo todo sofre.
A pergunta final não é: “Podemos perder esse advogado?” É: “Podemos nos dar ao luxo de perder a nós mesmos?”
Abilio Diniz costumava dizer que “empresas são feitas de pessoas, para pessoas”.
Se você permite que um indivíduo tóxico permaneça, está dizendo às outras pessoas que elas valem menos que o conforto do lucro imediato.
O mundo corporativo está cheio de profissionais tecnicamente brilhantes. Mas o que falta — e sempre faltará — são líderes que tenham a coragem de escolher o correto, mesmo quando o cômodo sussurra promessas tentadoras.
Seja esse líder.