Você já percebeu como nós, especialmente quando assumimos posições de liderança no campo jurídico, cultivamos uma solidão quase heroica?
É impressionante, não é mesmo? No futebol, até o técnico tem sua comissão. Na medicina, o chefe de cirurgia consulta seus pares. Mas nós, líderes jurídicos, ah… nós acreditamos piamente que devemos carregar o peso das decisões estratégicas sozinhos, como se compartilhar dúvidas fosse confessar fraqueza.
Mas o ponto é que essa solidão não é virtude, é armadilha.
Essa jornada solitária do líder não é algo natural, inevitável. É uma construção cultural que fizemos e continuamos alimentando no universo jurídico. Perceba como é curioso: orientamos clientes a formar comitês decisórios, mas resistimos a criar nossos próprios conselhos consultivos. Recomendamos governança compartilhada para empresas, mas gerimos nossas carreiras e departamentos como reinos absolutistas.
É como diria o poeta Carlos Drummond: “No meio do caminho tinha uma pedra” – e essa pedra, meu caro colega líder, é o mito da onisciência que associamos ao papel de liderança.
Vamos entender como chegamos aqui. Desde que assumimos posições de chefia, nos ensinam que “o chefe deve saber” e “o líder não pode mostrar hesitação.” Não a compartilhar dilemas, a exibir certezas. É uma diferença fundamental! Treinamos para dar direções, não para construir caminhos coletivos.
E assim, pouco a pouco, degrau por degrau, subimos escadarias que nos afastam dos outros: ganhamos salas maiores e mais isoladas; recebemos informações filtradas, raramente cruas; ouvimos cada vez menos “não” e cada vez mais “sim, senhor”.
Veja que interessante: o mestre de obras sabe que precisa consultar o engenheiro, o pedreiro e o eletricista antes de tomar decisões importantes. Mas nós, com nossos títulos pomposos e senhas exclusivas de acesso, acreditamos poder construir impérios jurídicos baseados apenas em nossa limitada visão individual.
É um equívoco ancestral, não é mesmo? E como todo equívoco ancestral, exige coragem para ser desmentido.
Sabe aquela história do sapo que é colocado na água morna e não percebe quando ela começa a ferver? Pois bem, nós somos esse sapo no caldeirão da solidão do comando.
Observe a simbologia do poder nos escritórios e departamentos jurídicos: o andar mais alto, a sala na esquina, a mesa maior, a cadeira mais imponente. A arquitetura não mente! Ela revela nossa filosofia profunda, construímos distâncias que refletem nossa concepção hierárquica da liderança.
Enquanto isso, veja o que acontece em outros campos: CEOs de tecnologia sentam-se em espaços abertos junto às equipes; empresas inovadoras criam “shadow boards” onde jovens talentos aconselham a diretoria.
E nós? Continuamos a cultivar o mito do líder jurídico infalível, aquele ser quase mitológico que, sozinho no topo da pirâmide, concebe estratégias brilhantes iluminado apenas pela luz da própria experiência. Como diria minha avó, com aquela sabedoria simples e certeira: “Quanto mais alto o coqueiro, mais forte o vento balança!”
É curioso, não? O líder jurídico é essencialmente um articulador, um construtor de consensos, um motivador de equipes, todas funções profundamente relacionais. No entanto, quando se trata de pensar a estratégia maior, de tomar as decisões fundamentais, frequentemente se isola como um monge em meditação solitária.
Pense neste paradoxo por um instante: reunimos equipes para implementar decisões, mas não para concebê-las; delegamos tarefas, mas raramente delegamos pensamento estratégico; criamos departamentos especializados, mas centralizamos visões de futuro.
É como o técnico de futebol que desenha todas as jogadas sozinho e depois se surpreende quando elas não funcionam no campo. Ora, meu caro, o jogo real sempre é mais complexo que qualquer esquema tático individual!
O filósofo alemão Martin Buber dizia que “toda vida verdadeira é encontro”. E nós, líderes, frequentemente substituímos encontros genuínos por comunicados unidirecionais, trocando diálogo por monólogo.
Você já observou como uma árvore isolada no campo aberto é mais vulnerável às tempestades do que aquela que cresce na floresta, protegida pelas outras? O mesmo acontece com o líder que se isola. A solidão da liderança cobra um preço silencioso, mas devastador.
Vejamos alguns custos que raramente contabilizamos: primeiro, a solidão decisória aumenta exponencialmente o risco de pontos cegos. Como eu costumo dizer aos meus mentorados: não importa quão brilhante seja sua lanterna, ela nunca iluminará o que está atrás de você! Precisamos de outras lanternas, apontadas de diferentes ângulos.
Segundo, o isolamento estratégico gera ansiedade crônica. Sabe por que muitos líderes têm insônia? Porque carregam sozinhos o que deveriam compartilhar. O peso distribuído se torna mais leve para todos.
Terceiro, o líder solitário perde a riqueza da inteligência coletiva. Como dizia Paulo Freire: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.” Ao nos isolarmos no topo, perdemos a sabedoria que vem de baixo e dos lados.
E veja que fascinante: os grandes líderes da história jurídica, aqueles que realmente transformaram instituições e o próprio Direito, nunca foram torres de marfim. De Rui Barbosa a ministros visionários do STF, todos mantinham círculos intensos de aconselhamento e provocação intelectual.
É hora de repensar, não é mesmo? Quando um maestro rege uma orquestra, não toca todos os instrumentos, cria condições para que cada músico dê o melhor de si em harmonia com os demais. Por que nós, líderes jurídicos, insistimos em ser simultaneamente maestro, primeiro violino, percussão e sopro?
Vamos pensar juntos em algumas possibilidades concretas para uma liderança menos solitária: primeiro, considere criar conselhos consultivos internos. Não aquelas reuniões formais onde todos concordam com o chefe. Falo de grupos pequenos e diversos onde o líder pode mostrar vulnerabilidade, testar ideias e receber feedback honesto sem julgamento.
Outra ideia é a mentoria reversa, onde líderes seniores são regularmente aconselhados por talentos júniores em áreas como tecnologia, tendências emergentes e perspectivas geracionais. Ou ainda, estabeleça pares de ressonância, outros líderes, de preferência de áreas diferentes, com quem você possa compartilhar dilemas reais sem competição ou julgamento.
Perceba que eu não estou sugerindo abdicar da responsabilidade final das decisões. Estou propondo algo muito mais profundo: criar ecossistemas onde sua liderança encontre resistência produtiva, oxigenação constante e perspectivas complementares.
A história está repleta de exemplos que desmentem o mito do líder solitário. Você sabia que Abraham Lincoln formou um “gabinete de rivais”, incluindo oponentes políticos, para garantir diversidade de pensamento? Que Winston Churchill, apesar da imagem de “lobo solitário”, mantinha um grupo regular de conselheiros de diversos campos?
Até na natureza encontramos essa lição: os elefantes, animais altamente inteligentes, têm matriarcas que nunca tomam decisões cruciais para o bando sem consultar outras fêmeas experientes. Os cientistas chamam isso de “liderança distribuída”, algo que praticamos muito menos que os elefantes!
No próprio Direito brasileiro, veja a tradição dos tribunais colegiados: reconhecemos que decisões importantes demais para serem tomadas por um único juiz, não importa quão brilhante seja.
O ponto central é este: a verdadeira grandeza de um líder não está em sua capacidade de decidir sozinho, mas em sua coragem de decidir acompanhado.
E agora? Por onde começamos essa transformação? Primeiro, reconheça sua vulnerabilidade. Como diz o ditado popular: o primeiro sinal de sabedoria é admitir o que não sabemos. Diga para si mesmo, sem culpa: “Não tenho todas as respostas. E isso não me diminui como líder, me engrandece.”
Depois, mapeie seus pontos cegos. Todo líder tem áreas onde simplesmente não enxerga bem. Talvez seja na gestão de conflitos interpessoais? Na visão de longo prazo? Na inovação tecnológica? Nomear é começar a compensar.
Em seguida, crie seu “conselho dos sábios”. Identifique 5-7 pessoas que complementam suas deficiências e tragam perspectivas diferentes. Podem ser de dentro ou fora da organização, mais jovens ou mais experientes. O crucial é a diversidade cognitiva.
Não se esqueça de institucionalizar a discordância respeitosa. Crie momentos regulares onde sua equipe possa questionar suas premissas sem medo de represálias. Como costumo dizer: “Quem só ouve elogios, ouve mal.”
Por fim, celebre a vulnerabilidade como força. Quando você, como líder, admite não saber algo ou reconhece um erro, não está mostrando fraqueza, está modelando aprendizado contínuo e autenticidade.
É curioso como nos fascinamos com a figura do herói solitário, não é? Aquele líder que, sozinho contra o mundo, toma decisões difíceis e salva o dia. Hollywood adora esse arquétipo. Mas veja a ironia: mesmo nos filmes de super-heróis, os protagonistas acabam formando ligas e alianças, reconhecendo que sozinhos são poderosos, mas juntos são imbatíveis!
No entanto, muitos de nós insistimos em ser “líderes-heróis”, carregando nos ombros o peso de decisões que poderiam ser enriquecidas por múltiplas perspectivas. O líder jurídico contemporâneo tem dezenas de reuniões semanais e talvez nenhum espaço onde possa verdadeiramente dizer: “Estou inseguro quanto a este caminho. Preciso de outras visões.”
Chegamos ao fim deste diálogo, porque é assim que vejo este texto, como um diálogo entre nós, ainda que assíncrono. Veja bem: a solidão da liderança não é uma condição inevitável, é uma escolha cultural. E como toda escolha cultural, pode ser revista, repensada, reconstruída.
O que proponho não é simples compartilhamento de tarefas. É algo mais profundo: uma ecologia da liderança jurídica, onde sua capacidade decisória floresça em terreno fértil, nutrida pelo olhar complementar de outros.
Como diria Guimarães Rosa: “O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.” E essa travessia da liderança não precisa, e não deve, ser solitária.
Da próxima vez que você se sentar em sua cadeira de líder para tomar uma decisão estratégica importante, pergunte-se: Quem poderia me ajudar a enxergar o que não estou vendo? Que perspectivas complementares estou deixando de considerar? Quem teria coragem de me dizer que estou errado, e sabedoria para me mostrar outro caminho?
Lembre-se que a verdadeira autoridade não vem de parecer infalível. Vem de ter a humildade de reconhecer as próprias limitações e a sabedoria de compensá-las através de outros.
O convite está feito. A escolha, como sempre, é sua.
Afinal, como costumo dizer aos meus mentorados: “A solidão pode ser boa companheira para reflexão, mas é péssima conselheira para decisão.”
Aprenda a fazer as perguntas certas e saiba para quem direcioná-las.